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05
Out/22

O TSE deveria tratar pesquisas escandalosamente erradas com mesmo rigor que aplica às fake news da tia do zap

Por Mário Sabino, do portal Metrópoles


As empresas não reconheceram as mancadas, mas correram a dizer que acertaram porque erraram. Isso não é nada bom para a democracia

Três professores de estatística foram caçar lebres na floresta. Ao chegarem, logo viram uma. O primeiro professor dispara um tiro… um metro à direita da lebre. O segundo dispara um tiro… um metro à esquerda da lebre. O terceiro, então, exclama: “Nós a pegamos”. Lembrei da piada italiana ao comparar os resultados das urnas no primeiro turno da eleição presidencial e os de pleitos estaduais com os números das empresas de pesquisa divulgados na véspera (vamos tratar como empresas, não como institutos, que é o que elas são). As que se autoproclamam as mais confiáveis, mas não apenas elas, erraram escandalosamente.

O Datafolha mostrava Lula com 50% e Jair Bolsonaro com 36%, uma diferença de 14 pontos – 14 pontos, enfatize-se –, com margem de erro de 2 pontos. O Ipec apontava o petista com 51% e o atual presidente com 37%, dentro da margem de erro idêntica à do Datafolha. Ao final da apuração, Lula tinha 48% e Jair Bolsonaro, 43%. A diferença de 14 pontos era, na verdade, de apenas 5. Uma das que erraram menos foi justamente a mais atacada pelos antibolsonaristas: Paraná Pesquisas, que dava o petista com 47% e o atual presidente com 40%. Em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, a vergonha se repetiu.

O que deveriam ter feito as empresas de pesquisa? Reconhecido o erro. Não foi o que ocorreu. Elas correram a dizer que acertaram a lebre, porque, sabe, pesquisa é retrato do momento, eleição é filme – e que, afinal de contas mal feitas, não há do que reclamar, visto que as pesquisas deram Lula em primeiro, Jair Bolsonaro em segundo, Simone Tebet em terceiro e Ciro Gomes em quarto.

Mas e quanto aos números absurdamente díspares de Jair Bolsonaro? Vieram com a história de que houve uma súbita migração de votos em massa em 24 horas, porque os eleitores de direita ou apenas antipetistas, ao serem confrontados com a possibilidade de Lula ser eleito em primeiro turno, fizeram “voto útil”, antecipando o voto em Jair Bolsonaro e desidratando as candidaturas de Simone Tebet e Ciro Gomes. Mais: as empresas deram a entender que, como também os seus números teriam movido os indecisos a se decidirem pelo “voto útil”, elas até contribuíram com boa informação para o resultado de domingo. O argumento foi replicado para explicar os absurdos nos estados. Ou seja, acertaram porque erraram.

O aspecto que deveria acender o alerta no TSE é que, se é verdade que as pesquisas anteciparam o “voto útil” em Jair Bolsonaro, prejudicando Simone Tebet e Ciro Gomes, e se o fenômeno ocorreu também em votações para governador e senador, isso significa que as empresas exerceram uma influência indevida no processo eleitoral.

E, diante da explicação das empresas, como garantir que não pudesse acontecer o oposto, o de dar um empurrão em Lula? O primeiro turno de uma eleição serve para que os eleitores expressem as suas convicções ou simples simpatias, o que permite a candidatos e partidos verificarem a sua real representatividade. Se os cidadãos se veem compelidos a deixar as suas convicções de lado por causa de pesquisas, há uma distorção no tempo e no espaço que prejudica a democracia.

O leitor pode perguntar-se: mas como é que as pesquisas seriam capazes de detectar o voto envergonhado? Não sou estatístico caçador de lebres, mas afirmo que, se as empresas não têm como montar um questionário que possa verificar se a declaração de intenção de voto bate com o perfil ideológico do sujeito, para descartar aquelas que não coincidem, é melhor mudar de negócio.

É uma ideia de jerico criminalizar empresas que divulgam pesquisas eleitorais que, confrontadas com os resultados das urnas, apresentem resultados fora da margem de erro previamente estabelecida. Não é ideia de jerico, contudo, o TSE tratar as pesquisas com o mesmo rigor com que lida com as fake news da tia do zap. Seria importante que o tribunal dissecasse as metodologias e definisse, juntamente com as empresas, padrões de procedimento comuns para pesquisas presenciais, telefônicas e telemáticas, a fim de diminuir a chance de cometimento de erros clamorosos.

Também seria aconselhável proibir a divulgação de levantamentos na véspera da data da eleição, como faz a França, que conta ainda com uma comissão – escolhida pelos três poderes – encarregada de fiscalizar o andamento das pesquisas eleitorais. Menos estridência implica mais consciência.

A difusão de números errados interfere nas escolhas dos eleitores, desencoraja o financiamento de candidatos prejudicados por elas, enquanto encoraja os beneficiados e desanima comandantes de campanhas e os seus cabos eleitorais. Além de propiciar, é claro, a propagação de teorias conspiratórias, como a de que as grandes empresas de pesquisa brasileiras sempre pendem em favor dos candidatos de esquerda (o que, imagino, deve ser só coincidência). Tudo isso é muito ruim para a democracia. Só é bom para algumas lebres.

Fonte:METRÓPOLES
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