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Jul/25 |
Pode, mas não pode: argumentação de Moraes é mais sofrível que seu português |
Em qualquer decisão judicial fundamentada, clara, objetiva e desprovida de afetações, erros isolados de português podem ser vistos e relevados como lapsos de digitação.
Já em decisões de argumentação caótica, repleta de afetações, é de se considerar se os erros de português são sintomas da mesma incultura, da mesma rudimentariedade, do mesmo despreparo cognitivo, técnico e emocional, que leva àquele resultado.
Ao decidir não mandar prender preventivamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, em razão do que considerou uma “irregularidade isolada, sem notícias de outros descumprimentos” de medidas cautelares “até o momento”, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, afirma, com letras maiúsculas e cinco exclamações, que “a JUSTIÇA É CEGA MAIS [sic] NÃO TOLA!!!!!”.
A argumentação só agrava esse quadro.
Moraes havia proibido, como extensão da proibição de uso das redes sociais, “as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida”.
A argumentação só agrava esse quadro.
Moraes havia proibido, como extensão da proibição de uso das redes sociais, “as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida”.
Considerando que, atualmente, todas as entrevistas com protagonistas do debate público, como Jair Bolsonaro, acabam sendo reproduzidas em redes de “terceiros” – ou seja, de qualquer outra pessoa –, o efeito prático dessa ordem tortuosa era a proibição da concessão de entrevistas pelo ex-presidente, réu no STF no caso da trama golpista.
No entanto, o ministro se faz de sonso, para não dar o braço a torcer:
“Em momento algum JAIR MESSIAS BOLSONARO foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos ou privados, respeitados os horários estabelecidos nas medidas restritivas”, escreve Moraes.
A alegação é ainda mais tortuosa.
Sua decisão anterior, segundo ele, “deixou claro que não será admitida a utilização de subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré fabricado’ para posterior postagens (sic) nas redes sociais de terceiros previamente coordenados”.
Se Moraes tem um dom, é o de fingir ter dito o que não disse e, mesmo assim, continuar sem dizer nada que faça algum sentido objetivo no mundo real. Ou virtual.
Desse parágrafo, ficariam as perguntas: Bolsonaro descumprirá medidas cautelares somente se participar de modo consciente de combinação com terceiros para conceder entrevista a ser reproduzida nas redes, como se ele não estivesse sabendo de nada? Para configurar o descumprimento, será necessário Bolsonaro incorrer em fala considerada criminosa? Bastará que “terceiros previamente coordenados”, outrora somente “terceiros”, incorram em crimes na postagem que reproduzirá a entrevista? Ou será necessário que ambos, Bolsonaro e o tal cúmplice, incorram em crimes?
É uma confusão.
Em vez de esclarecer pontos específicos da regra que impõe, Moraes desanda a refletir sobre sua obsessão, as “milícias digitais”, e apela às maiúsculas, tentando compensar a falta de substância e clareza dos argumentos pela altura imponente das letras.
“Obviamente, NÃO SERIA LÓGICO E RAZOÁVEL permitir a utilização do mesmo modus operandi criminoso com diversas postagens nas redes sociais de terceiros, em especial por ‘milícias digitais’ e apoiadores políticos previamente coordenados para a divulgação das condutas ilícitas que, eventualmente, poderiam ser praticadas por JAIR MESSIAS BOLSONARO, sejam em entrevistas, sejam em atos públicos, mas sempre com a finalidade de continuar a induzir e instigar chefe de Estado estrangeiro a tomar medidas para interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à Soberania nacional.”
O que não é lógico, nem razoável, é criar uma hipótese intermediária entre a proibição e a autorização da concessão de entrevistas pelo réu, tornando-o suscetível a ser preso preventivamente por publicações de terceiros, quando as proibições de uso das redes sociais e da concessão de entrevistas já são, elas próprias, determinações controversas, porque não previstas expressamente no inciso II do artigo 319 do Código de Processo Penal, que fala apenas em “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares”.
Moraes não decreta a prisão preventiva de Bolsonaro – que o afastaria das redes –, nem quer deixá-lo livre para falar o que bem entende, então vai criando uma solução intermediária atrás da outra e turbinando cada vez mais a sua própria confusão.
Na página 5, ele tenta, finalmente, ser mais objetivo:
No momento em que o STF precisa de legitimidade para julgar e eventualmente condenar o ex-presidente, o relator do caso só ajuda a reforçar a narrativa bolsonarista de perseguição, com uma série de ordens toscas, carregadas de piruetas retóricas.